quinta-feira, 15 de abril de 2010




- Estou a ver-me a caminhar para dentro de uma igreja, e sabes, não sei se é algo que me agrade! Acho que a meio do caminho dava meia volta e voltava para trás. E acho que isso é algo que ele não merece de todo…. Não, não! Não merece mesmo.
Alice franziu a testa, apreensiva. Como se poderia convencer alguém a dar um passo que ainda agora lhe era penoso recordar?! Aquilo tinha-a destruído como uma doença … imperceptível de início, tinha-se instalando, mordiscando-lhe o corpo, ao de leve, ora aqui… ora ali… assim como uma beliscadura que se tolera, depois cravando-lhe os dentes bem fundo na carne, naquilo que se viera a transformar numa náusea lancinante, constante, que a acompanhava diariamente, movendo-se com ela, em uníssono, até já não saber se era a dor que fazia parte dela, se era ela a própria dor…
Com um tremor, voltou ao presente. - Mas essa era a sua história – pensou - não tinha de ser a dela. Ele era tão diferente… Tudo nele era genuíno, franco, desinteressado, verdadeiro. Sabia bem o que queria e estava a dar tudo por tudo para a ter. Estava cioso de criar o” Nós”, e era homem para isso. Ouvi-lo falar dela era comovente, tocante. Ficava de lágrimas nos olhos, romântica como era, cada vez que se sentava com ele, ao final da tarde, e ele começava a desfiar meadas de Beatriz…
- Tens de ter calma… Pensar… Pensa no que tu queres. O que queres tu Bia? Já não é a primeira vez que temos esta conversa… Tu sabes…
Beatriz enterrou a cabeça no meio das mãos e ficou ali, sentada, enrolada, para dentro de si, mergulhando no mais ínfimo do seu ser, abanando-se num movimento cadenciado. E ficou pequena.
Queria ser pequena. Muito pequenina, para voltar para os braços aconchegantes e protectores da mãe, onde sabia que nada poderia correr mal, porque ela nunca o permitiria. Nessa altura tudo era simples e certo e sabia sempre o que queria ou fazer.
- Eu tenho medo! – Sussurrou baixinho. - Tenho medo! Tenho medo do que possa acontecer! Tenho medo de o desapontar, tenho medo de me desapontar!
De que assim, ele deixe de me amar! Ou eu!
Tenho medo… Do amanhã! Já te disse… Alice abraçou-a
-Beatriz… É bom teres medo… Faz-te pensar. É um passo muito importante esse…
Se era! Por um milésimo de segundo voltou atrás no tempo…Vestida de branco, caminhava devagar, decidida, em direcção a ele, em direcção ao abismo. Ao longo dos anos, passo a passo foi ficando cada vez mais perto, daquela arriba do Guincho. Enquanto sorria chorando, cantava gritando, ia sentindo cada vez mais o salgado do ar, a frescura do vento, o cheiro da maresia…- Voltou a concentrar-se no presente.
- Cresce miúda! Já é tempo! Não cries tantos entraves. Não queres sofrer… Ninguém quer… Mas a vida é mesmo assim. Feita de desafios. Queres ficar a assistir? A ver a vida passar por ti? Está a dar-te uma oportunidade de seres feliz… Está a abanar-te. Não voltes as costas, com medo de te tornares infeliz. Sente! Aproveita! Vive rapariga!
Quase que se sentia envergonhada com o que estava a dizer… Mandava-a avançar, atirar-se de cabeça... Ter forças… Ela que se sentia como uma florzinha…frágil…
- Sabes, se calhar era disso que eu estava a precisar. De alguém que me dissesse umas verdades. De um abanão dos teus! – Disse Beatriz.
- Ora bem! Abanões são comigo! Abanão é o meu nome do meio! Sou a Miss Abanão! Ah! Ah! Ah!...
-Doida… És mesmo doida, Alice! Só mesmo tu para me fazeres rir!
Às vezes penso…
- O quê?! Diz-me Bia.
- Às vezes, penso (é meio egoísta e tudo o mais, eu sei) na sorte que tivemos, mesmo no meio de todo o azar; nem devia dizer isto… é meio constrangedor. Afinal, deve ter sido um dos momentos mais complicados da tua vida. Mas não posso deixar de dizer … se não tivesse acontecido aquele dia, eu não te conhecia… Não assim como hoje, entendes? Provavelmente poderíamos até trocar uma palavra ou outra, daquelas que toda a gente acaba por trocar… mas não mais do que isso. . É uma verdade que já nos tínhamos encontrado muitas vezes, mas sabes, nós nunca nos tínhamos visto.
É tão bom para nós, que sejas nossa amiga! Para mim e para o Gil. Adoro-te!
Alice levantou-se. Não doía. Estava tratado e resolvido… mas daí a ouvir uma coisa destas!
Até a compreendia. Não era por mal que a miúda falava. Estava a ser honesta. Mas daí a …
- Bem… Tu tens muito para pensar, organizar – disse-lhe zombeteira – e eu tenho de ir. Ainda tenho algumas coisas para resolver. Porta-te mal!
- Ficaste aborrecida, desculpa! Não podia ter dito uma coisa destas! Desculpa, desculpa! Fui mesmo muito egoísta! Sou uma idiota que só diz e faz disparates!
Não sejas tola, Beatriz! Eu já te conheço muito bem. Sei que não fizeste por mal. – e agarrando-lhe a cabeça, abanou-lhe os cabelos despenteando-a, enquanto Beatriz se ria tentando soltar-se. – Toma! Para não seres parva!