sábado, 30 de janeiro de 2010

O Principezinho e a raposa




Em conversa com uma amiga, lembrei-me deste excerto de " O principezinho". A conversa girava à volta das relações inter-pessoais e da agitação dos dias de hoje,em que as pessoas tendem a privilegiar os relacionamentos rápidos e superficiais, com todas as implicâncias nefastas daí decorrentes.
Criar laços, cativar, caiu em desuso.
É uma pena. Ficaremos tão mais pobres...



- Bom dia, disse a raposa.
- Bom dia, respondeu polidamente o principezinho que se voltou mas não viu nada.
- Eu estou aqui, disse a voz, debaixo da macieira...
- Quem és tu? perguntou o principezinho.
Tu és bem bonita.
- Sou uma raposa, disse a raposa.
- Vem brincar comigo, propôs o princípe, estou tão triste...
- Eu não posso brincar contigo, disse a raposa.
Não me cativaram ainda.
- Ah! Desculpa, disse o principezinho.
Após uma reflexão, acrescentou:
- O que quer dizer cativar ?
- Tu não és daqui, disse a raposa. Que procuras?
- Procuro amigos, disse. Que quer dizer cativar?
- É uma coisa muito esquecida, disse a raposa.
Significa criar laços...
- Criar laços?
- Exatamente, disse a raposa. Tu não és para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos.
E eu não tenho necessidade de ti.
E tu não tens necessidade de mim.
Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás pra mim o único no mundo. E eu serei para ti a única no mundo...
Mas a raposa voltou a sua idéia:
- Minha vida é monótona. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei o barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora como música.
E depois, olha! Vês, lá longe, o campo de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelo cor de ouro. E então serás maravilhoso quando me tiverdes cativado. O trigo que é dourado fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento do trigo...
A raposa então calou-se e considerou muito tempo o príncipe:
- Por favor, cativa-me! disse ela.
- Bem quisera, disse o principe, mas eu não tenho tempo. Tenho amigos a descobrir e mundos a conhecer.
- A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens não tem tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres uma amiga, cativa-me!
Os homens esqueceram a verdade, disse a raposa.
Mas tu não a deves esquecer.
Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas"

Antoine de Saint-Exupéry

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Will you?


Diz-me Alice…. Achas que tenho hipóteses?
Gil tinha tomado nas suas as mãos dela, enchendo-a com o seu sorriso, que sem ele se dar conta, carregava o Sol. Sempre que pensava ou falava de Beatriz, era assim: o mundo parecia pequeno demais para ele.
“ A gata Alice” como ele lhe começara a chamar, estava enroscada num enorme cadeirão de verga, manta sobre as pernas, aproveitando o calor do início da tarde.
- Fazes-me rir, sabes… Um dia … Há muito, muito tempo… fui assim como tu. Doida. Obstinada. Apaixonada… Para mim também não existia mais nada.
- Quando estou com ela, o mundo parece parar. Tás a ver? Tudo deixa de existir. É uma cena marada….Imagina um filme… É pá… assim daqueles para o meio fatela, onde as miúdas se fartam de chorar… e às vezes a malta também, mas pronto…. – Gil largou-lhe as mãos e deu uma pancada seca nas pernas, meio envergonhado com o que deixara sair… - que artes e manhas tinha aquela mulher para lhe despir a Alma? - perguntou a si próprio - Siga! É assim: O mundo é o cenário, os outros os figurantes e no meio … estamos Nós. Nada existe sem Nós e tudo existe por Nós e para Nós.
Sim – disse Alice – Ainda me lembro de como é estar apaixonada… é precioso, sagrado. É um estado de graça. Algo que nos possui e nos diminui a razão, desfoca a visão, arrasa com todos os sentidos… -Estás a ver? Estou a ficar uma verdadeira poetisa, só de falar nisso… -Por uma palavra sentes-te capaz de tudo… por um gesto então…
Mas disseste-me que tens medo. Mas medo de quê? A paixão não se condói com os teus medos… Tem vida própria e exige ser vivida. Entrega-te a ela. Desfruta-a. Aproveita-a. E o mais importante de tudo: Lembra-te que não é eterna. Faz dela um culto…
- Eu não quero fazer nenhuma cena dessa!!! E se é para adorar alguma coisa… também não é preciso. Adorar, já adoro a Beatriz… Mas adoro mesmo, meu! Só tenho medo é que seja demais para ela…
Ela sempre curtiu uma onda de solidão e tal,” viver sozinha é que é do melhor” e tal e coisa… gosta de sair por ai fora, sem destino… Tás a ver… Vem agora aqui o Gil, armado em … Sei lá eu… e trufas… Olha, eu nem consigo dizer nada de jeito… Às vezes… às vezes farto-me de puxar pela tola… Uma gaja como ela, que tem tudo, vai gostar de um Mongo como eu porquê?
- Gil… - Alice inclinou-se e tomou-lhe o rosto nas mãos – Tu…
- Eu não faço sentido sem ela, Alice. É um bocado de mim, percebes… acho que nunca tinha entendido isso… só agora, que estou a falar nisto contigo… -Tu é que devias ser psicóloga! Em vez de estares a aturar aquele gajo marado, todas as semanas … o tipo não joga com o baralho todo… - Mas adiante…
Alice, isso tudo que tás a dizer é muito lindo, mas eu sinto mais… Já passei por tudo isso da paixão. Não sou um menino! Olha para mim… Mas não vem para aqui ao caso. Não sei se posso arriscar…
Agora que a encontrei, não a posso perder.
Achas que posso chegar ao pé dela e dizer…
- Beatriz…. Queres casar comigo?

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Casablanca

Intemporal
Um dos meus filmes favoritos




quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A cadeira



- A felicidade é efémera. Não poderia deixar de o ser.
De outra forma não seria felicidade. Como pode alguém reconhecer alguma coisa, se não for confrontada com a sua perda? E será feliz, alguém que sempre o é? Linearmente?
Mas não sei… de facto não sei, se alguma vez fui feliz… É natural que o tenha sido, ao longo da minha existência. Todos o fomos, não é? Nem que seja por um breve instante… mas isto sou eu a pensar! Ao certo, ao certo… Não sei… Aliás, não faço ideia de nada!
Sabe… No fundo é como se tivesse nascido de novo… entrado para este corpo, que já lhe disse também não conheço… ou como se tivesse saído dele, andado por aí e ficado… se calhar fora de prazo... Será que é isso? Que as pessoas têm prazo e o meu já… Já passou? Já venceu. Vencer é um termo que me parece desajustado… Ninguém vence aqui…
Alice tinha fechado os olhos para melhor se concentrar. Não queria mexer um músculo. A cadeira tinha-se tornado num monstro voraz, à espreita de um movimento. Possante, de cabedal enrijecido pelo tempo, estalava, rangia, saltava, lançando sons lancinantes que ecoavam por toda a sala em silêncio. Era muito constrangedor. Tentou controlar a respiração, o bater do coração…
- Parece-me muito tensa… Tem de se descontrair… Espero que esteja confortável…
-Sim! Muito confortável! -Respondeu, em tom neutro.
- Ainda bem! É sempre complicado, sabe… mas tudo voltará aos seus lugares… Tem de ter calma… Um passo de cada vez… Mas tem de confiar… Confiar é muito importante…
Confiar… Como poderia confiar em alguém como ele…
Estava a falar com ela, tempos infindos… Quanto tempo? - Até isso se tinha ido… a noção do tempo…- sentada numa cadeira viva, e ainda perguntava se estava confortável?! Só poderia fazer parte de um esquema qualquer, algo que a ultrapassava…
- Se lhe pedir para dizer a primeira coisa que lhe vem à cabeça… - incentivou-a com o olhar… O que me diria? O que vê?
- Vejo cabelos, espalhados por todo o lado…
-Cabelos de quem? Serão os seus?
- Não sei…. Mas pela forma como os vejo, sim… devem ser meus...espalhados pela minha cara, em revoadas, vão e vêm… vão e vêm… por cima de mim, batem-me na cara, no pescoço com força... magoam; depois há uma esplanada; oiço o piar de uma gaivota,olho para cima, passa a voar por cima de mim, mesmo rente… quase que a posso sentir e... - o ar começou a faltar. O monstro cadeira estava agora bem desperto e tinha tomado conta dela, apertando-a mais e mais... como um torno; ouvia uma voz ao longe, mas não percebia o que lhe dizia, começou a deixar de ver e mergulhou de novo na escuridão.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Por um triz

Beatriz…
Beatriz esperava, sentada à beira mar, por uma ideia. O Verão há muito que acabara, a esplanada fechara, e …aquele acaso que começara do nada,prolongara-se por um tempo muito maior do que ela julgara possível.
Achara que aquela era mais uma daquelas paixões incendiadas, com chama alta, que tudo consome, em que a entrega é total, arrasadora, sem tempo nem horas, daquelas em que se respira em uníssono, a pele reclama o toque…e o corpo, o corpo é percorrido por um tremor, quando os olhos se encontram.
Talvez por isso mesmo, de tão avassaladora que é, tende a esgotar-se da mesma maneira como apareceu, rapidamente, volatizando-se, efémera.
Não fora nada assim.
Ela ainda ali estava. O frenesim passara, mas ainda ali estava.
À espera.
Olhos fixos no ponto onde sabia que ele iria aparecer, de andar seguro, mas meio gingão, sorriso aberto, abraçando-a ainda antes de chegar.
-Bia, minha Bia… - disse ele, tomando-lhe o rosto entre as mãos e beijando-lhe os olhos e os lábios, como sempre fazia. Tantas saudades…
Tenho um presente para ti. Estive a arrumar umas musicas, antigas, lá no quarto, e nem imaginas! Eu nem me lembrava disto pá… Mesmo tóino…Eh eh eh…
Passei-me… Para além de tudo o mais…
És tu! Tu… Só tu. Ora ouve lá!! Vá...- incentivou-a ele, sempre a sorrir…-Vá… Vais gostar… E sempre a olhar para ela, colocou-lhe os phones. Não queria perder pitada… Beatriz, ajustou-os e concentrou-se no que viria aí. Ouviu o início e um sorriso desenhou-se nos seus lábios. – É linda – disse. – Ouve bem – repetiu ele, agarrando-a pelos ombros. Bia baixou os olhos, para de repente os levantar, comovida, atirando-se ao seu pescoço.
- Leva-me para sempre ... - disse ele baixinho, acariciando-lhe os cabelos.


terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Just Breathe

Esta é uma daquelas melodias que nos faz partir e esquecer o frio, o vento e a chuva que teimam em não nos deixar...
Para todos os saudosistas do Sol.
Para a Beatriz...

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

I feel blue.

I feel blue....

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Ping, ping, ping…




Ping, ping, ping…
O som ecoava na sua cabeça. Pausado, compassado. Primeiro uma gota, depois outra e outra.
Alice abriu os olhos e pestanejou. Por cima de si, na clarabóia envidraçada, a chuva abatia-se em grossas bátegas, que ribombavam, enchendo por completo o quarto.
Tentou levantar-se e entrou num carrossel. Tudo girava num caleidoscópio de inúmeras cores. Inclinou-se para fora da cama a custo, nauseada, deixando-se escorregar, devagarinho. Fechou os olhos com força e ficou imóvel, na esperança que tudo parasse.
- Estou fraca, é isso – pensou - Tem de ser devagar. Com calma, muita calma… Agarrou-se à perna da cama, depois à cadeira que ali estava ao lado. Escorregou. A custo tentou equilibrar-se. A cada passo, a viagem tornava-se mais rápida… a cabeça começava a rodar e o vómito voltava. Encostou-se à parede e foi colada a ela que continuou. Levou o que lhe pareceu uma eternidade para chegar à janela. Estava sozinha. Como sempre estivera.
Lembrava-se disso e de uma esplanada, à beira mar, num dia de vento. Tinha perfeita percepção dos cabelos a voar, do cheiro a mar, de cruzar o olhar com o de uma gaivota, que a parecia convidar a segui-la. Tinha sorrido, abrira os braços e…
Depois disso, tudo era confuso. Apenas flashes, nada que fizesse sentido. Um rosto, uma mão … mais nada. Iam e vinham, vezes sem conta, pois na sua memória, Alice não guardava recordações de mais nada. A cada esforço, a cabeça latejava e recomeçava o seu tormento: Vento, cabelos, esplanada, gaivota… rosto, mão…
- Mas… Meu Deus! Acorda e já fora da cama?! Podia ter arranjado uma coisa linda… Oh se podia… Não vê que mal se tem nas pernas senhora? Toca a ir para a cama! Fica quase um mês ali deitada e acha que é assim?
- Um mês? - Perguntou Alice – Porquê um mês?
- Cada coisa a seu tempo. Se não se lembra, não se lembra… Oh, não faça essa cara assustada… É perfeitamente normal… Deixe estar…Entre mas é na cama! Devagar…Vamos…Vou já ligar para o seu marido. Ele vai ficar … A Senhora tem uma sorte! Só deixou de vir porque a irmã também não anda bem.
Vá! O Senhor Doutor vem já aí.
Alice obedeceu sem reclamar. Aquela era uma mulher habituada a mandar e a fazer-se obedecer. O seu tom não admitia um não como resposta e ela de qualquer forma não estava em condições de ripostar, tanto mais que a vertigem e a náusea tinham voltado.
Sentia-se tão cansada… Estivera ali… Tanto tempo, deitada… Seria muito tempo, um mês?! E tinha um marido. Então devia ser ele.
Olhou em volta, à procura de um espelho. Nada. Só paredes brancas, nuas, uma jarra cheia de flores numa mesa e uma cadeira, aquela que lhe servira de apoio. Na sua falta passou os dedos pelo rosto, percorrendo-o como uma cega, tentando adivinhar-se... Esquecera-se de si mesma, assim como de tudo o resto.

domingo, 3 de janeiro de 2010






Saí de casa para o paredão. Desta vez não para" andar a correr", mas apenas para vaguear, desfrutar. Tudo costuma melhorar com uma banda sonora a condizer, e essa é fornecida pelo mp4 que levo sempre comigo, o que para além de me isolar do mundo, permitindo-me partir em desfilada para longas deambulações, costuma funcionar ainda como factor desencorajador de possíveis encontros com conhecidos...
Quando era pequena, lembro-me que um dos meus desejos secretos era precisamente esse: ter uma banda sonora que me acompanharia em todos os momentos, ou pelo menos nos mais marcantes, mais importantes. Imaginava-me a contemplar o mar, ao som de Fernão Capelo Gaivota, do Sailling, a chorar de incompreensão com uma balada de fundo, a vencer desafios, ultrapassar metas, tudo ao som de uma das minhas bandas favoritas...Por algum motivo é tão importante a banda sonora de um filme... E não seria isso mesmo a vida? Um filme? Ou uma série, composta por muitos episódios...
Deixei-me transportar pela musica, e caí nas recordações dos anos passados. Nos bons e velhos anos em que os dias corriam depressa, em tropel.
As pessoas passavam por mim, num vai vem intermitente, aos pares, trios, grupos, falando, rindo.
Olhei para o mar, para a forma como a luz incidia, num determinado ângulo, transformando o azul num verde quase jade, misturado com a espuma branca, enquadrado pelo azul-escuro do céu. Ao fundo a marina estava incendiada pelo sol que se punha. E tudo o resto me pareceu tão pequeno...
Pensei então como seria bom encontrar uma forma de poder partilhar estas vivências com os outros. Lembrei-me de fotografar... escrever... Mas nada me pareceu suficiente. Por muitas fotos que tirasse, por muito pormenorizadamente que escrevesse, algo se perderia sempre. Da mesma forma que cada ser humano é uno, também o são as formas de abarcar o real. Apenas alguns o conseguem, criando Arte e distinguindo-se de nós, comuns mortais.