quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Ano Novo







Andava eu a fazer as compras de ultima hora, daquelas que sempre nos perseguem e das quais nunca nos lembramos, de tão banais (não me esqueci do doce de castanha, dos suspiros ou das sementes de cardamono.. mas já os guardanapos e a água fizeram-me voltar à loja..) quando ouvi alguém ao meu lado a comentar que ainda não tinha comprado as cuecas vermelhas...  Apurei o ouvido. Cuecas vermelhas? Que muita gente comprava cuecas azuis ( o azul cueca vem provavelmente daqui), já eu sabia; basta olhar para as montras das lojas de langerie... Agora vermelhas... Aparentemente as cores estão relacionadas com aquilo que se pretende. Amor ao vermelho, cor da paixão... Verde ao dinheiro, cor dos dólares e branco aos valores espirituais, cor da pureza. O que me faz pensar, que nesta coisa das cuecas, não se pode ser muito ambicioso... A invenção das  azuis  só pode ter partido de alguém com espírito prático, que ao comprar um" dois em um " terá pensado, sorriso estampado no rosto -Porque não? Vai azul e já está!!
Superstições ligadas ao ano novo são muitas e variam de família para família... Desde as doze passas a entrar com o pé direito.. há de tudo... Confesso que tenho seguido algumas delas, das mais comezinhas..Mas este ano...este ano queria algo em grande!
As cuecas estão fora de questão...Vestir três pares de cuecas não me alicia, e as azuis a esta hora já esgotaram.
Passando ao seguinte, ainda ligado aos preparativos, convém entrar o ano vestido a rigor, porque, reza a tradição, assim se levará o ano que se anuncia... por outro lado, também se diz que branco é a cor a escolher... Outro impasse... roupa de cerimónia branca?! Adiante...
As passas são imprescindíveis!!! Devem ser 12 e comidas nas ultimas badaladas do ano.  Assim como segurar uma taça de champagne e ter umas notas na outra mão..( qual mão?!) tudo isto em cima de uma cadeira, não esquecendo que se deve de entrar o ano com o pé direito... ou com os dois pés... como ouvi hoje dizer, não vá o diabo teçe-las... Complicado... Se por um lado me faltam mãos, por outro ainda corro o risco de começar o ano no hospital, ao forçar a família a acompanhar-me em tamanhos malabarismos...
Por isso, este ano vou fazer algo verdadeiramente inovador... Vou esperar o Novo ano como me apetecer, de taça de champagne na mão, com ou sem passas, e do mais que me lembrar..
Bom Ano!!!

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009


Natal.
Mais uma vez, cá estamos nós, catapultados para o meio de uma imensa vaga consumista, que nos engole e obriga a integrar o número daqueles que sem saber como, de repente dão por si, em centros comerciais apinhados, na demanda inglória da compra dos presentes da "obrigação".
A "obrigação" foi sempre algo que me incomodou. Talvez por isso, não sinta o tal espírito natalício que parece contagiar tudo e todos...
Presentes devem ser dados quando sentimos vontade.
Quando passamos por uma loja qualquer e vemos o nome daquela pessoa a embrulhar aquele objecto...
Quando acordamos e sentimos que nos apetece dar alguma coisa e revolvemos tudo à procura do presente perfeito...
Quando simplesmente queremos...  
"Natal é quando um homem quiser" parece ser já um lugar-comum. Pena é que não seja recordado mais vezes.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009




 O corpo de Maria Alice continuava ali, atirado para uma cama, olhos no vazio.Ao seu lado, numa cadeira, estava o rapaz que o salvara. Salvara o corpo, mas não a salvara a ela. Alice tinha saltado, de dentro de si,  para o abismo. Quando os seus pés resvalaram e ele a apanhou, já ela tinha partido, nas asas de uma gaivota que  por ali voava.
Nunca se tinha sentido tão liberta, tão livre, mas ao mesmo tempo tão perdida. Viu o rapaz a agarra-la, a abraça-la com força. Depois veio o vazio.
Vagou durante muito tempo, no meio de gente estranha e desconhecida, por terras brancas, de gente branca... e voltou a procurar-se. Estava naquilo que parecia ser um hospital. O marido ali, ao lado a chorar... E agora de novo o rapaz. Teve vontade de lhe passar os dedos pela face e de lhe agradecer. Em segundos, ele tinha feito mais, do que muita gente que a conhecia desde sempre tinha feito. Tinha-a agarrado. Tentou tocar-lhe, mas em vão. Não conseguia. Sem aquele corpo que jazia ali ao lado, nada feito.
Tinha-o observado em pormenor. Os cabelos, alinhados e penteados ao longo da cara, os olhos grandes e muito abertos, os lábios finos e bem desenhados, as mãos de dedos compridos.. Pareciam os de  uma pianista... Cada vez que olhava, dava outro passo que a distanciava ainda  mais daquela cama e daquele ser. Tentava encontrar algo que a puxasse de volta, mas nada.Talvez recordar-se de si, da sua vida, ajudasse.. Não adiantava .Era uma porta que não conseguia abrir. Não encontrava a chave... Tinha-a perdido algures, no meio daquele percurso.
Estava a ficar sem motivos, razões para andar por ali.
  Os médicos que passavam falavam do seu estado, mas nem isso lhe parecia interessar. Por isso se sentia à deriva, sem rumo.Não se sentia bem. Nada lhe dizia nada.
Lembrava-se da dor. Essa tinha passado, mas fora substituída por algo com que não contava. Dormência. Era isso mesmo. Dormência ou ausência de tudo.Pura e simplesmente não sentia. Era tudo muito confuso.
Pensando bem, de uma forma muito linear... O estar vivo é isso mesmo: sentir! O calor do Sol, alegria, tristeza, amor, ódio...dor... se ela não sentia, quereria isso dizer que deixara de existir? Mas por outro lado, a prova física da sua existência estava ali, no meio dos lençóis brancos. Não conseguia perceber.
Perdera o passado, o futuro, e mesmo o agora estava comprometido.
Pairava, misto sombra e espírito, intocável, e incorpórea.
Junto ao tecto, uma aranha tecia pacientemente a sua teia de fios brilhantes e transparentes. A luz do Sol projectava-se neles, reflectindo luzes de todas as cores, que se propagavam por todo o quarto, atingindo Alice.
 -Ela parece tão serena- pensou o rapaz - Não te deixes ir!!! Sei o que estás a passar. Já estive desse lado...
Tás muito bonita... Vá! Não sejas parva! Vive! Nem todos têm a mesma sorte. Tu tens uma outra oportunidade... Não a desperdices. Vive! Vive!!!É para isso que cá andamos.- E sem pensar, inclinou-se beijando-a ao de leve na face, enquanto lhe apertava a mão.- Força! Tinha de te dizer isto.
O rapaz levantou-se, de rompante, angustiado com as recordações que carregava consigo e que o tinham obrigado a ir ter com ela.
Ele queria que desta vez fosse a sério.
Pelas duas, tinha de a salvar.