O Natal era sempre uma das épocas mais desejadas lá em casa.
Os preparativos iniciavam-se, na boa tradição lusa no dia oito de Dezembro, dia de Nossa Senhora da Conceição.
O presépio, de figuras de barro pintado, tinha lugar de destaque, descansando em cima de um manto de musgo apanhado na serra.
A minha mãe fazia questão de ter um rebanho imenso de ovelhazinhas, quase todas em diferentes posições, acompanhadas por pastores. Havia também uma ponte e um lago de prata, com patinhos. No centro, para onde todas as personagens se dirigiam estava a cabana do Menino Jesus, ladeado por José, Maria, o burrinho e a vaca. Tudo era feito ao pormenor, com a minha ajuda. Ao longe os Reis Magos perscrutavam o horizonte, em busca da estrela, pendurada na cabana do menino. Eu imaginava as peripécias da viagem, e acrescentava sempre um pormenor ou outro… uns leões, porque tinha de haver leões no meio da travessia, uns crocodilos no lago, porque os patos tinham de passar por alguma provação e claro está, lobos, atendendo ao tamanho do rebanho. Infelizmente o resto da família não se comprazia com estas inovações, que após grande risota eram retiradas, independentemente dos meus protestos.
A árvore de Natal era outra das “ Estrelas”, cheia de figurinhas, bolas e grinaldas, que passávamos horas a enrolar, pôr e dispor. Confesso que não me atraia tanto como o presépio. Para mim não passava de um pinheiro. Mas a sua escolha era uma verdadeira arte. Lembro-me que o meu pai, encarregue da compra, passava horas naquilo. Hoje, acho que seria algo só comparável à poda de um bonsai… tinha de se imaginar um pinheiro manso, aparentemente sem graça, com ar desgraçado e infeliz, enfeitado, cheio de bolinhas de todas as cores, grinaldas, fitas e luzes a acender e a apagar, e tudo isso já na sala.
- O que te parece este Olguinha? Olha, aquele também não está nada mal… Hummm… demasiado aberto… E aquele? O que achas daquele…Não sei… Está assim… meio para …
Eu fazia um sorriso amarelo. Bem me esforçava, mas achava-os a todos sem graça. A minha visão do pinheiro ideal estava a milhas dali, daquela espécie de feira, ao pé da Avenida Estados Unidos da América. O que eu queria mesmo, mesmo, era um daqueles lindos pinheiros nórdicos, de ramas para cima, como se via nos filmes, nem que fosse artificial… Mas a hipótese nem se punha. Para além de serem caríssimos, os meus pais eram tradicionalistas. O nosso país é Portugal, e em Portugal não há pinheiros nórdicos. Ponto final.
Ao fim do que parecia uma eternidade, o meu pai lá chegava a casa, carregando o pobre pinheiro, orgulhoso, mas temeroso. Após a epopeia da compra, tinha de passar pela prova real: a aprovação da minha mãe, que como é óbvio, acabava sempre por torcer o nariz, nem que fosse às escondidas… A visão claramente vista, a reluzir e arduamente conquistada, era do meu pai, não dela!
Seguia-se a fase da compra das prendas. Sim. Comprávamos presentes para familiares e amigos, mas é claro que as minhas prendas vinham pela chaminé, onde eu deixava o sapatinho. Era o próprio Menino Jesus que se encarregava da distribuição…
Foi assim, até ao dia em que eu, já desconfiada, voltei atrás, depois de a minha mãe me ter mandado expressamente descer para o carro, para ao pé do meu pai. Esse Natal seria passado em casa do meu tio, com os meus avós. Entrei na cozinha ainda a tempo de a ver a tentar esconder um dos presentes. Lembro-me de ter ficado numa amálgama de sensações contraditórias: se por um lado me sentia satisfeita – afinal, o Menino Jesus não deixava presentes na chaminé, eram mesmos os pais que os colocavam lá, por outro não podia deixar de sentir uma certa desilusão…
A verdade é que quando regressei à escola, depois das férias, e ouvi as descrições da noite de consoada, a chegada do menino Jesus eu me sentia maior e mais importante. Eu sabia. E nada podia mudar isso mesmo.