sexta-feira, 21 de maio de 2010

Voltou ao ponto de partida.
Alice estava de volta à esplanada. Sentada a uma mesa, a olhar o mar, que se espraiava à sua frente, mas desta vez sozinha. Não que fizesse grande diferença… ao fim ao cabo voltara ao início.
Estava a sentir-se um logro. Tinha-lhe sido concedido o Todo. O Todo ficara em quase nada. As opções tinham sido desastrosas. Podia ter feito tanto… E acabara por viver uma vida que não lhe parecia aquela que lhe tinha sido prometida. Essa tinha-lhe sido roubada. Alguém a tinha vivido, em vez dela. Não podia culpar ninguém… As opções tinham sido as suas. Mas… será que teria sido mesmo esse o caso? Poderia dizer, com toda a propriedade que era livre? Julgava que não. As pressões e tensões acabam por ser muitas, de vários lados. Por um motivo ou por outro, acabamos por fazer concessões, abrir excepções, e afinal… afinal não estamos sozinhos aqui. Ninguém é verdadeiramente livre… a menos que seja um eremita, ou um louco. O livre arbítrio é uma invenção de lunáticos. Não temos escolha. Nascemos com tudo, todos nós, mas o destino vai-se encarregando da construção de uma trama, bem intrincada, de fios, laçadas e voltas, que nos vão arrancando a pele, pedaços, identidades, desviando os passos, ardilosamente, a seu belo prazer.
Uma vez, alguém lhe tinha dito:” Sinto a minha vida a esvair-se. Imagina que estás na praia, pegas um punhado de areia na mão, e vais deixando que escorregue, por entre os teus dedos. Assim sinto eu a minha vida. Como essa areia que cai; e cada vez a minha mão está mais vazia.”
Na altura achara um exagero, embora tivesse entendido. E agora ali estava. A taça estava à sua frente. Nunca tinha tomado consciência disso, mas neste momento estava ali. Ao nível dos seus olhos. Provavelmente sempre ali estivera. Apenas não a tinha visto. Mas mesmo assim, tinha a nítida consciência de que se estava a esvaziar, aos poucos, umas vezes lentamente, outras vezes mais depressa. O ritmo parecia aleatório, mas dependia dela e das suas decisões.
Neste momento a areia corria num fio fino, contínuo, que nem o vento forte do Guincho perturbava.

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