Alice estava sentada, de pernas cruzadas, numa mesa de
café. A sala, aos poucos ia-se compondo, apesar de ainda ser bastante cedo.
Gostava de se perder, impregnar as paredes com os seus pensamentos, colorir os
vidros com as suas cores, pendurar reflexos nos espelhos. Vagueava pela sala,
numa dormência vagarosa, até se prender. Podia ser num objeto, num raio de luz,
numa flor. Nunca sabia qual. O que sabia
é que era sublime. Às vezes nada acontecia. Podiam passar minutos, horas, dias
e ela ali, suspensa, viciada naquele abandono . Até aquele dia, em que o
desespero falou mais alto e o fio se soltou de vez dentro de si, naquela arriba
do Guincho . No ultimo minuto sentiu uma garra que a puxava para a vida, que lhe rasgava as entranhas e a dividia em
dois. Uma Alice ficou ali, inerte, à beira do abismo. A outra enfrentou as
águas frias e mergulhou de cabeça, olhos bem abertos, no vazio.
Já tinha passado tanto tempo…
Alice perscrutava a sala. Sabia bem o que procurava.
Corria o café de uma ponta a outra, vasculhava todos os cantos, inspecionava
todos aqueles que entravam, desde a velhinha mal-encarada e carcomida até ao
galã de trazer por casa que não parava de lhe fazer olhinhos.” Idiota! Como se
fosse parar por aquilo.”
As suas cores
escorriam, meio desbotadas pelas janelas do café e os reflexos, teimosos,
estavam sempre tortos, de soslaio. Sentia-se a desesperar. Fechou os olhos e
com um suspiro de resignação levantou-se, em direção à saída. Ainda não tinha
sido hoje. Voltaria amanhã, e depois e depois e quantas vezes mais, mas
voltaria. Aquele dia seriam muitos dias, repetidos por ela, vezes sem fim até
… até dar de caras consigo. Tinha a
certeza que continuava por lá. Às vezes conseguia sentir-se, por um breve
momento. Outras, num relance apanhava um movimento que parecia seu. Um dia, um
dia voltaria a encontrar o fio que a levaria ao encontro de si. Um dia.
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