sexta-feira, 28 de agosto de 2009


Foi andando devagar, a areia entranhando-se pelo tecido dos ténis, conquistando espaço e formando uma palmilha moldável e fofa, que oscilava a cada passo.
Finalmente o carro. Descalçou-se, tentou em vão livrar-se da areia, ainda por cima sem toalha… atirou com os ténis para o banco de trás, deixou-se escorregar pelo assento da frente e ficou ali, mãos apoiadas no volante, chave na ignição, sem saber se deveria arrancar ou não. Precisava pensar…
Tudo ali, apesar da estrada das pessoas e dos carros, conservava um certo ar vivo, em movimento constante e selvagem: as dunas onde crescia uma vegetação rasteira e resistente, as flores singelas, o mar bravio, o vento.
Cada local tem uma energia e personalidade próprias. O Guincho é dono de uma aridez e liberdade indomáveis, algo que toma conta de nós e nos contagia. Um sítio assim é capaz de nos levar a actos irreflectidos e de nos arrebatar. Pensando bem, poderia ter confundido tudo. A magia poderia não estar, ou alguma vez ter estado naquela esplanada. Podia ser o próprio local. Esquadrinhava a mente de cada um e deleitava-se a compor sinfonias de emoções, ânimos e desânimos, brincando devagar com as almas dos mais incautos, levando-os por caminhos esconsos, manobrando e manietando… Ou poderia ser algo ainda mais linear. Poderia estar nela. Era ela quem ali rumava quase todos os dias. Eram os seus olhos que bebiam a paisagem e observavam quem passava; era ela quem conjecturava, arquitectava, criava cenários e ligava as pessoas com quem se cruzava com laços de seda, urdindo uma teia multifacetada. Era ela.
Não era a magia que se tinha esgotado. Era ela. Pegando numa tesoura, cortou, cuidadosamente, todas as laçadas, desfez a teia e partiu a voar.

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