sábado, 26 de setembro de 2009
Na vida de cada um de nós, mais tarde ou mais cedo, é possível assinalar um período mais conturbado, digno de figurar nos anais da história da família. O meu aconteceu aos quatro anos. Foi com quatro anos que escorropichei copo atrás de copo, abandonados à minha sorte, enquanto os adultos faziam as honras da casa e se despediam dos convivas e foi também por esta altura que provei caracóis, mas crus, apontando, de dedo em riste o pobre do meu primo João, verdadeiramente inocente e enjoado, como instigador deste meu acto e, foi ainda com quatro anos que tirei o nosso carro da garagem. Segundo rezam as crónicas, o meu pai, orgulhoso” da menina dos seus olhos”, ao mesmo tempo que me ensinava a papaguear os números, o abecedário, ensinava-me também o que era um travão de mão, as mudanças, onde ficavam as luzes, os sinais de trânsito e outras coisas, carregando-me no colo, enquanto conduzia. Eu escutava, mãos no volante, de olhos arregalados, calada, bebendo gota a gota, tudo o que ele me dizia. Numa tarde de Verão, após o regresso da praia, para obviar os inconvenientes de tratar de uma criança à mesa, fui a primeira a almoçar, ficando por isso livre para cirandar pelo jardim. Tenho uma vaga ideia de que fui ter com a Benvinda, a criada da minha tia Felisbela, que estava no tanque a lavar roupa. Nessa altura, as máquinas de lavar eram um devaneio dos mais criativos…Abri a porta do carro, estacionado na garagem e sentei-me a conversar com ela. Dona de uma paciência de Jó, Benvinda, adorava-me e aturava estoicamente todas as minhas diabruras e histórias mirabolantes, vestia e despia bonecas, e fazia vestidinhos de crochet para elas, de cores vivas. Era o alvo perfeito para eu esbanjar toda a minha sabedoria recém adquirida… Havia que instrui-la sobre as maravilhas da mecânica. Ela ia respondendo sem ouvir, absorta nos seus pensamentos, dizendo que sim e sorrindo de vez em quando. Foi aí que, segundo ela, me sentei ao volante e sem que ela soubesse dizer como, destravei o carro, que começou a rolar, devagar… Benvinda, num ápice, rompeu numa correria, casa adentro, aos gritos: Oh minha senhora! A menina vem aí! A menina vem aí com o carro! Todas as conversas se calaram, o pensamento era comum: a menina tem quatro anos. A menina vem aí?? Com o quê!? Correram todos para o jardim. Mas a menina, assustada com os gritos de pânico da pobre Benvinda, tinha devagar virado o volante para o muro da casa e encostado o carro. Tudo acabou com um valente ralhete e promessas de jamais voltar a repetir o sucedido. Escusado será dizer, que as minhas lições terminaram.
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