terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Era uma Vez…





Era uma vez…
Era uma vez… A Vez. É essa mesma. Aquela que se usa quando se conta um conto, ou se quiserem… quando se acrescenta um ponto. O certo, o certo é que a Vez estava muito triste.
Tão triste que se tinha recolhido num cantinho, a chorar, escondida de tudo e de todos.
- Quem me dera ser de novo a Vez – dizia ela, a soluçar – Como eu era feliz… Dantes, a toda a hora era usada, por tudo e por nada. Cheguei a ficar cansada, com medo de ficar gasta…
Era uma vez … uma princesa…
Era uma vez…. Uma fada…
Era uma vez, um gato maltês…
Era uma vez…
Aiiii…. Porque tinha tudo de mudar? Porque tinham as pessoas de deixar de dizer… “ Era uma vez…” ??
- Eu continuo a dizer “ Era uma vez…”- disse uma vozinha.
A Vez ficou muito assustada. Que voz era aquela, que aparecia ali, no jardim de Sua Alteza, a Rainha de Copas? Tinha tido muito cuidado, na escolha do seu cantinho. Aquela era uma história do antigamente, com meninas que crescem e mingam, lagartas que fumam cachimbos de água, gatos sorridentes e imaginem… coelhos com a mania da pontualidade! Nada que pudesse interessar nos dias de hoje, em que todos andam apressados, é certo, mas com vergonha de não chegar a horas … Será que também se esquecem dos relógios?
Os relógios são tão engraçados… com aqueles bracinhos a abrir e a fechar e as mãos muito abertas, sempre a apontar - pensou ela, sorrindo.
- Depressa! Tenho pressa, tenho pressa! – Disse o Coelho Branco, que passou, rápido que nem uma seta, sempre a correr, sempre apressado e sem parar. A Vez correu atrás dele, o mais depressa que pode:
– Pára! Não corras tão depressa! Pára! Foste tu quem falou?
O coelho continuava, sempre, sempre a correr, parecia um branquinho pompom saltitante, pulando pelo meio das rosas, que surpreendidas e meio tontas, se viravam ao vê-lo passar, quase a cair, quase a derrapar.
Ela parou, ofegante, mão no peito, sem conseguir respirar, de coração aos pulos.
- Mas que bicho tão rápido!
No meio de toda aquela confusão, olhou em volta e viu que já nem sabia onde estava…
- Para onde foram o jardim, as cartas, as rosas? Mas que grande aborrecimento! Não é que tinha mudado de história?! E nem cumprimentar a Alice tinha conseguido… Gostava muito dela… Tudo culpa daquele coelho. Teria sido ele quem tinha falado?
E presa a estes pensamentos, começou a andar. Mesmo à sua frente estavam três casas, umas a seguir às outras. A primeira era muito frágil e pobre, feita de palha, toda desalinhada e descomposta… parecia que por ali tinha passado um vendaval. Andou mais um pouco e ficou em frente à segunda casa, desta vez feita de paus e troncos. Não estava em muito melhor estado do que a primeira…
- Já sei onde estou! Estou na história dos três porquinhos! Só espero que ele não ande por aí….
- Hummmm…. Deixa-me cheirar-te… Sentir-te…. -Disse uma voz, num sussurro, quase colada ao seu pescoço – És macia - disse ele passando a garra pelo seu braço - e macia quer dizer tenra…Eh eh eh ! Não serás tu por acaso priminha do Capuchinho? Não te comparas a um porquinho, mas na falta…
- Ora, ora! Pois se não é o Sr. Lobo!
Está-me a estranhar, é? Não me diga que também não me reconhece… Parece ser um mal geral…
Mas que mal agradecido, Sr. Lobo. Não saber quem eu sou…
O lobo olhou, bem no fundo dos olhos dela, bocarra escancarada, dentes brancos e aguçados a luzir à luz do Sol…
- Realmente… Olhando assim de perto… Mesmo de pertinho… E o teu cheiro não me é estranho!
- Deixe-se de coisas, Sr. Lobo – disse a Vez – ponha lá os óculos! Vá! Ambos sabemos que é cego que nem um morcego… Até foi por isso que atacou a avozinha… Vá!
Mau, mau – disse o lobo, puxando os óculos do bolso e colocando-os na ponta do nariz…
- Quem tem medo do Lobo Mau, do Lobo Mau! Ah, ah ah!! – os porquinhos tinham aparecido do nada, e corriam à volta do Lobo, berrando a plenos pulmões:
- Quem tem medo do Lobo Mau, do lobo mau, ele é pior do que um carapau!
- Fora pirralhos intrometidos! Fora! – Disse o lobo, vermelho de raiva
- Estou cansado de andar atrás de vocês!
Xô! Levam uma dentada! Ai levam, levam!
Como se estivesse a enxotar moscas, o lobo afastou os porquinhos, esbracejando, tentando acertar nas suas cabeças uns valentes piparotes, que falhavam o alvo e os fazia atirarem-se para o chão, rindo a bom rir.
Era uma vez…. Disse a vozinha de novo, baixinho…
Hum? Onde estás tu? Responde…
Um dois três… É a tua vez!!! Então? Estás a fingir ou mesmo a dormir? Alice abriu os olhos.
- Então meu amor? Estavas a dormir?
- Mamã! Que sonho tão lindo! Eu era a Vez!
A Vez? Mas que imaginação tão fértil tem a minha menina… Amanhã tens de me contar, está bem? Agora toca a dormir.
E com carinho, a mãe beijou-a e apagou a luz. Alice, ou melhor a Vez, aconchegou-se melhor, fechou os olhos e partiu de novo para o reino do faz de conta.

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