sábado, 13 de fevereiro de 2010

O anel







O anel era simples. Um anel. Liso.
Não era por isso que deixava de ser bonito. Pousado na mesa, ao lado da chávena de café, a luz do Sol incidia sobre ele, reflectindo-se sobre a pele dela. Carregava consigo o peso da tradição. Nada a que ele, anel, fosse alheio; há duas gerações que vinha a desempenhar aquele papel… sempre igual. Mas desta vez, ao invés de acabar no dedo de alguém, acabara ali, preso a uma decisão que tardava em chegar. Poder-se-ia dizer que o protagonismo lhe tinha sido roubado … o que o punha, se pensarmos bem, em pé de igualdade com todos os outros objectos banais, que por ali estavam: a chávena de café fumegante, a colher, o pacote de açúcar ou as chaves do carro. Não passava de um objecto, mais ou menos valioso, é certo, mas apenas e tão-somente um objecto.
Beatriz continuava de olhos presos no mar. Quando era pequena passava horas assim, sentada num banco sob a muralha, cabeça entre as mãos. Achava o oceano tão lindo que o queria guardar para si – “Pode ser que gravando todos os pormenores eu o leve comigo…”- dizia ela, mas por mais que tentasse, nunca conseguia… todas as ondas lhe pareciam únicas, diferentes. Umas eram pequenas, mas de um azul estonteante, outras enormes como casas, mas de um verde transparente, outras requebravam com violência, ribombando pela arriba, outras eram delicadas, mas com laivos castanhos, outras… Não era capaz de eleger “ a onda” de entre todas as ondas, ou de fixar toda aquela imensidão… Por isso se deixava ficar, as horas rolando, o dia passando. Era também uma forma de se encontrar. Partia para outros instantes, momentos, lugares, umas vezes fugazes, outras vezes longos. O que começava por ser uma tentativa de abarcar o todo acabava por se centrar nela.
Não deixava de ser difícil, perceber o porquê de tudo aquilo… interpretar o que sentia, o que deixava para trás e… e tomar uma decisão. Final, desta vez.
Não lhe era fácil tomar opções. Não pelas consequências que estas lhe poderiam trazer, mas mais pela sensação de perda subjacente. Para ela era algo incontornável. Seria tão bom poder ficar na terra de ninguém…
Nuns dias iria a Espanha, outros a Portugal, noutros ficaria quietinha, ali mesmo no meio.
Porque teriam as pessoas de complicar, rotular, afinar agulhas, passar ao passo seguinte…
O agora já ela conhecia. Tinha vindo a nascer aos poucos, como uma florzinha, daquelas que crescia nas dunas do Guincho e que lutava com força para se manter agarrada à terra, no meio de todo aquele vendaval. Não seria só isso já suficiente? Para quê tornar aquela flor, já em si perfeita, numa outra flor… para quê dar-lhe outras raízes? Ela passava bem assim. Podia até suceder que ao revolver a terra à sua volta, ela se ressentisse, brechas fossem abertas e a florzinha, outrora forte e sã, começasse a definhar, acabando por morrer. Mesmo presa às dunas do Guincho, ela não deixavam de ser livre… Porque era ela. O que sucederia se tudo mudasse?
- Deseja outro café? – Perguntou-lhe sorridente a empregada.
- Não, não, deixe estar. Estou mesmo de saída… - e pegando nas chaves do carro, no casaco e na mala, Beatriz levantou-se, arrumou a cadeira e saiu em direcção ao carro.

1 comentário:

  1. Comentando: gosto muito dos teus "pedaços" de prosa, tão introspectivos como elegantes ,muito ligados a detalhes, com muita cor! Um beijinho muito grande de quem te encoraja a mais!
    José A.

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