quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Adeus....




Estava aqui sentada, na sala e ouvia chamar-me.
 Alice chamava-me.
Num murmúrio, calmo, suave, sorrido.
Não eram palavras que eu ouvia, sentada na noite, no escuro, enquanto o rádio continuava a tocar. Era uma atmosfera. Com Alice sempre foi assim. Antes de chegar já lá estava. Difícil de explicar…  mas há pessoas assim. Era como se o mundo se preparasse para a receber. O ar mudava, a luz tomava um certo angulo, a temperatura tornava-se morna, os sons acolhedores, o seu perfume… 
Alice …
Desta vez nada aconteceu.
Talvez tivesse mudado de ideias. Talvez a minha vontade de a reencontrar fosse tão grande que… talvez…
Uma ideia foi crescendo dentro de mim, enchendo-me por completo, num misto de sensações, sentimentos.
Os dias quentes do Verão, as tardes mornas passadas na praia estavam cada vez mais distantes. Faziam-me sorrir, ao recordar um episódio ou outro, recordações. Quanto a Alice…
 Não voltaria a ver Alice.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Terra


Nada do que eu possa escrever me parece bem.
Embora a minha alma grite as palavras, a garganta não as quer soltar e os dedos caem moles sobre o teclado, quando os tento incitar a escrever.
A tristeza aninhou-se em mim. Como uma gata, sorrateira vai calcando o meu colo, fazendo cama, sorvendo o calor das recordações, enquanto ronrona.
Os dias vão correndo, um depois do outro. É assim que os passo. Correndo.
A vida continua, indiferente. Novos caminhos já se desenham.
 No entanto continuo aqui. Parada. Ainda não posso seguir.
Ainda não. A minha terra é aqui.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Chaves e combinações


  
De vez em quando, na nossa vida, tudo aquilo que tomávamos como seguro, pelo menos em termos imediatos, é abalado pelas estruturas. Já todos passamos por um processo destes, ou com a morte de um ente querido, algum desgosto de amor, uma desilusão profissional… São coisas que nos modelam, dizem, servem para separar o trigo do joio. O caminho para a perfeição não se faz caminhando sobre veludo, mas sim por terras áridas, por desbravar.
Será? Serão as provações, por si, exaltadores de qualidades que de outra forma não seriam despoletadas? É algo que me intriga neste momento. Se por um lado, temos em nós todo um manancial de possibilidades, também é verdade que as desconheceremos se nunca surgirem as hipóteses de as chamar à acção. Seremos um somatório de caixinhas, que só se abrem com a chave e a combinação certa? Todos seriamos génios embrionários. Alguns teriam a sorte, ou infortúnio, de reunir todas as condições para que tal sucedesse. Outros não. No fundo tudo se resumiria ao acaso… ou se preferirmos, à força do destino, de uma entidade divina, que nos manieta, entre o sério e o divertida. No entanto, onde entraria aqui o livre arbítrio? Seria uma das chaves,  ou um dos factores da combinação…? Até uma próxima..

terça-feira, 26 de abril de 2011

Felicidade...




   Ás vezes, mesmo nos momentos em que me sinto triste, consigo ser feliz. Nem que seja por um instante;  fugaz, mas um verdadeiro instante, pleno, cheio. Vou caminhando pelo paredão fora, ouvindo  musica pelos phones e pouco a pouco vou descolando, voo rasante, no meio das gaivotas, que espavoridas se afastam com rapidez, ao se sentirem tocadas por mim. Entro nos jardins, assusto os gatos que perseguiam os melros, bebo a água da orvalhada pelas folhas das magnólias, descanso nos lábios  daquele pai que sentado no banco de madeira, se interroga como pode ser verdade… ter nas mãos aquele ser, seu… perfeito, lindo. Mergulho no mar e diluo-me no sal nas ondas, agarro um raio de sol e subo aos céus. Por uns instantes deixo-me descansar naquela nuvem fofa e doce, deixo-me acariciar… para de novo descer á terra e voltar a andar…. À minha frente está o Tamariz, embrulhado pelo pôr do Sol em tons rosa, lilás, laranja. É em momentos destes que penso :“ Se morresse agora, partira com um sorriso nos lábios, verdadeiramente feliz…”
  E é preciso tão pouco para sermos felizes, se deixarmos…

terça-feira, 29 de março de 2011

Rápido, rápido, lento...



  Da janela da minha casa vejo a vida que passa, umas vezes rápida, a galopar, outras vezes lenta, a bocejar…
Outro dia reparei num casal, ele alto e pomposo, sobretudo bege, coisa fina… muito composto, seguia erecto… ao seu lado vinha ela, a saltitar, baixota, loira, mesmo, mesmo muito loira, uma loiraça de primeira… pulseira de berloques, carteira a dar a dar…
 Opostos, de facto, mas juntos formavam um par… coisa estranha esta, caprichos   do destino, que  une o diferente, tornando-o aparentemente uno e igual…
 Dei comigo a fantasiar:
- Queriiido, já viste? Olha, repara…. Que linda!!! É mesmo um sonho! Já viste?! – diria ela, pensando… “ Anda mais devagar idiota! Bem feito seria se desses uma topada numa pedra e esmurraces um joelho!!!!
- Hummm? Que disseste? – responderia ele, resmungando entre dentes – “ Só compras, compras, compras, não pensa em mais nada o raio da mulher... sempre quero ver se a voar, vês alguma coisa….”
Ou então …
- Querido, anda mais devagar, está bem? Estou a correr para te acompanhar… ( e estes sapatos de salto fino estão-me a matar).
- Oh Amor! Podias ter dito antes… Sabes que faço tudo para te agradar!!!
(até ao fim do mundo eu ia, se fosse para te buscar…)
Quando despertei não eram mais do que dois pontos, que seguiam ao fundo, sempre a andar, sem nunca parar.

segunda-feira, 14 de março de 2011

São palavras…


São palavras…
Como outras quaisquer.
Palavras susurradas,
Gritadas ao vento…
Pensadas, sentidas e confessadas.
Palavras contidas, reprimidas e guardadas.
Fechadas.
São palavras…
Podem conter o mundo,
Ou desabar em tempestade…
Palavras..
Só…
E no entanto…
No entanto o que não dariamos
Por uma palavra…
Sussurrada,
Gritada ao vento,
Pensada, sentida e confessada…
Solta…
Amada.



segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Red


- Achas que ela não volta?
- Tenho a certeza, Gil.
Beatriz estava quieta, sentada em frente a ele. E vagueava. Ele brincava com a mão dela nas suas, terno, como sempre, mas as palavras trespassavam-na sem deixar marca. Era como se fosse volátil, gasosa, um holograma.
Beatriz sonhava com cores, cores rápidas e velozes, que se matizavam e misturavam, tingiam, numa amálgama colorida.
- Se fosses uma cor… Que cor gostarias de ser? - perguntou ela.
- Essa agora, minha… Uma cor? Assim de repente?! Sei lá…
Uma cor… Gosto de tantas… Não sei…
- Não se trata da cor que mais gostas – disse ela, sorrindo – podes por exemplo gostar do amarelo e não seres amarelo…
- Tens cada uma Bia! Agora eu amarelo! Amarelo é cor de ovo… Amarelo… Agora as pessoas também têm cores? Só mesmo dessa cabecinha! Uma cabecinha linda… Mas doida ! És mesmo doida ! Eheheh!
- Porque não? Porque não poderemos ter cores? Temos mesmo! Nunca ouviste falar em auras? Ouviste…
 Não me contaste que tiveste uma namorada budista? Não acredito que ela não te tenha falado disso… Falou de certeza.
Ele replicou qualquer coisa, mas já Beatriz tinha zarpado, em direcção ao zénite. Fechando os olhos, passou o azul dos céus longínquos, os lilases das alfazemas, de que tanto gostava, os laranja, pincelados de rosa do por do sol, e deu por si mergulhada em vermelhos marmóreos, ora fortes, ora pálidos, que de uma candura pungente se tornavam ferozes e mortais.
 Fascinada, deixou-se mergulhar naquele mar de vermelho sangue, morno, quente e aconchegante.
Tinha descoberto a sua cor: Red...



quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Irmã Lua



Alice:

Esta noite, olho a lua e não consigo deixar de pensar em ti, Alice….
Está grande, enorme, redonda, cheia de luz…
Ias gostar de…
 Estava a pensar e ia escrever isso mesmo: que ias gostar de a ver, mas na certa, conhecendo-te, deves de estar em algum lugar a olhar para ela. É mais forte do que tu. Há pessoas de Sol, pessoas de Mar, do Céu e das Estrelas… Tu és uma pessoa da Lua. Como eu: minha irmã da Lua! Às vezes acho que foi mesmo de lá que vieste. Não pertences a nada disto, a este mundo. Tens o seu brilho nos olhos, o fascínio, a sabedoria. Sabes sempre como me indicar o caminho, sem parecer que o fazes… Isso tem de ser um dom, não te parece?
Aguentaste demais, é verdade, mas agora não, Alice. Agora parecia estar tudo tão bem!!!  O mau tempo tinha passado, começavas a sorrir cada vez mais. Tu mesma dizias que eras cada vez mais tu… Porque não falaste comigo? Ou com o Gil? Porque partiste assim, sem uma palavra, só com uma carta deixada na mesa da nossa cozinha… Fazes uma ideia do estado dele com certeza. Já para não falar no meu.
Preciso tanto de ti, precisamos…
Diz-me que voltas! Que não passou tudo de …
 Ohhhh  Alice!!!
 Não é nenhuma brincadeira, não é? Tu não nos farias isto se não fosse verdade. Não vais voltar atrás…
Sei que vendeste a casa, porque passei por lá, e lá estava o letreiro, da venda…
Sabes uma coisa? Como sempre, tu trataste de tudo. Julgava que ia ficar de rastos quando o Gil me disse, aos soluços….
-  A Alice… A Alice… - sem conseguir acabar a frase.
 - Foi-se embora - disse-lhe eu.
- Sabias e… e não me disseste nada Bia? Eu tinha falado com ela, porra!!! Onde tinhas essa cabeça, diz-me…
 Tu sabes que não me tinhas dito nada. Mas eu sabia. No meu intimo sabia que tinhas ido…
Preparaste o terreno, esperaste uma noite de lua cheia e partiste, montada num dos raios mais brilhantes do luar.
Como eu te adoro Alice!

Adeus minha irmã..
Ficarei à tua espera.
Volta para nós..

Não sei para onde enviar esta carta. Não tenho o teu endereço.. Vou deixa-la na esplanada. Se voltares… sei que será o primeiro sítio onde irás.

Beijo

Beatriz


terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Rio de descontentamento.


Estou a escrever-te esta carta devagar. Para ver se sei o que dizer… ou mesmo como hei-de começar.
 Estava aqui sentada e foi uma ideia que surgiu. Já sei que não vou sossegar enquanto não a concretizar. Conheces-me bem. Sabes que é assim.
  Ainda não sei o que te dizer… Por isso escrevo, devagar. Paro e sinto o meu coração bater. Os meus dedos parecem o seu prolongamento. Teclam ao seu ritmo: um ritmo certo e seguro. Engraçado ser assim. Porque eu não me sinto nada certa, nem segura…
   Sei, isso sim, com uma certeza irrefutável, o que me espera, o que nos espera. Não me perguntes porquê. Apenas sei. E não. Não estou a pensar de novo “em dar o salto”, como lhe chamaste… Já o fiz uma vez. Não sou pessoa de reprises. Saí de dentro de mim, para o mundo, mas os Deuses não me quiseram. Não vale a pena contraria-los. Provavelmente voltariam a rejeitar-me. Iriam encontrar de novo outro ser para me cuspir de volta para os braços do Mundo. E isso seria insuportável. O meu destino é andar por cá. Não o posso mudar. Resignei-me.
Vais com certeza odiar-me. Disso tenho muita pena, Gil, mas não me resta outra alternativa.
Lembra-te de mim. Dos dias que passamos juntos, a falar de ti, da Bia, de vocês, de mim. Lembra-te de mim nesses dias, que corriam preguiçosos, sentados na esplanada, à beira mar, onde tudo começou. Do Verão no Guincho onde à noite se ouvia o som da tua guitarra e onde tu tocavas, sem saber, para ela…
 Ficarás sempre comigo. É essa a minha vontade. Faz com que seja também a tua. Guardar-me contigo dependerá apenas de ti.
 Eu estarei numa outra esplanada qualquer a recordar a minha passagem por aqui, de sorriso nos lábios e um sabor doce na boca.
  Tenho de ir. Chegou o momento. Não faz qualquer sentido continuar por cá. Está a tornar-se demasiado penoso. Tu ganhaste asas. É só teres coragem e …voar. Por muito que assim o penses, não precisas de ninguém, nem de mim, nem mesmo da Bia. És tu mesmo. Se parares de argumentar, de te debateres com o que é irrefutável, verás como tenho razão…
Escrevo-te esta carta. Uma carta cheia de sentimento, mas fria.  Racionalizada. Foi a única forma de o fazer.
Mesmo assim, as lágrimas rolam sem parar, num rio amargo de descontentamento.
 É outra pessoa que chora. Não eu.
 Eu estou a escrever esta carta, devagar, concentrada nas teclas, no seu local exacto, para não me enganar.
Gil…
É tudo o que sou capaz.


Para sempre
Alice