Estou a escrever-te esta carta devagar. Para ver se sei o que dizer… ou mesmo como hei-de começar.
Estava aqui sentada e foi uma ideia que surgiu. Já sei que não vou sossegar enquanto não a concretizar. Conheces-me bem. Sabes que é assim.
Ainda não sei o que te dizer… Por isso escrevo, devagar. Paro e sinto o meu coração bater. Os meus dedos parecem o seu prolongamento. Teclam ao seu ritmo: um ritmo certo e seguro. Engraçado ser assim. Porque eu não me sinto nada certa, nem segura…
Sei, isso sim, com uma certeza irrefutável, o que me espera, o que nos espera. Não me perguntes porquê. Apenas sei. E não. Não estou a pensar de novo “em dar o salto”, como lhe chamaste… Já o fiz uma vez. Não sou pessoa de reprises. Saí de dentro de mim, para o mundo, mas os Deuses não me quiseram. Não vale a pena contraria-los. Provavelmente voltariam a rejeitar-me. Iriam encontrar de novo outro ser para me cuspir de volta para os braços do Mundo. E isso seria insuportável. O meu destino é andar por cá. Não o posso mudar. Resignei-me.
Vais com certeza odiar-me. Disso tenho muita pena, Gil, mas não me resta outra alternativa.
Lembra-te de mim. Dos dias que passamos juntos, a falar de ti, da Bia, de vocês, de mim. Lembra-te de mim nesses dias, que corriam preguiçosos, sentados na esplanada, à beira mar, onde tudo começou. Do Verão no Guincho onde à noite se ouvia o som da tua guitarra e onde tu tocavas, sem saber, para ela…
Ficarás sempre comigo. É essa a minha vontade. Faz com que seja também a tua. Guardar-me contigo dependerá apenas de ti.
Eu estarei numa outra esplanada qualquer a recordar a minha passagem por aqui, de sorriso nos lábios e um sabor doce na boca.
Tenho de ir. Chegou o momento. Não faz qualquer sentido continuar por cá. Está a tornar-se demasiado penoso. Tu ganhaste asas. É só teres coragem e …voar. Por muito que assim o penses, não precisas de ninguém, nem de mim, nem mesmo da Bia. És tu mesmo. Se parares de argumentar, de te debateres com o que é irrefutável, verás como tenho razão…
Escrevo-te esta carta. Uma carta cheia de sentimento, mas fria. Racionalizada. Foi a única forma de o fazer.
Mesmo assim, as lágrimas rolam sem parar, num rio amargo de descontentamento.
É outra pessoa que chora. Não eu.
Eu estou a escrever esta carta, devagar, concentrada nas teclas, no seu local exacto, para não me enganar.
Gil…
É tudo o que sou capaz.
Para sempre
Alice