sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Vagando


- Agarrei-te!
-És doida? Estava a ver-te há uma série de tempo. Acho que nem te deste conta! Mas que doida, pá! Andar assim numa cena dessas, à beira da falésia, de braços abertos e tal… Claro que só podia dar numa destas … Uma pessoa escorrega, e tunga… dá com eles lá em baixo. Eheheh…
Ela olhava para ele, olhos sem expressão, sem dizer nada, as lágrimas seguindo o seu curso, escorrendo sem parar, pela cara abaixo.
- É pá!!!! É pá… Tu não me digas que não escorregaste… Mas que cena mais marada, meu…
Sem pensar, ele agarrou-a pelos ombros e abraçou-a. Juntou a cabeça dele à dela e apertou-a o mais que pôde - como não tinha adivinhado?! E logo ele…
Tinha todos os motivos para perceber. A dor do passado ainda estava lá. Não lhe queria mexer.
Às vezes é mesmo assim Só nos permitimos perceber aquilo que queremos. Todos os sinais estavam lá. O alarme tinha tocado. E ele tinha corrido.
Ela continuava em silêncio. Parecia uma boneca, desarticulada.
Não estava ali. Tinha saltado. Sentira o ar fresco na cara, o impulso dos pés e o peso do corpo a cair livre, duna abaixo.
Pairava, no ar, num ponto acima, a observar.
Sentira o rapaz a correr, direito a ela, e a agarra-la, vira a sua expressão de alívio, ouvira a forma como falara com ela, meio a sério, meio a brincar. Apreciara a forma como ele a tinha tomado nos braços e de repente a tinha aconchegado a si, como se ela  fosse dele e fizesse parte dele.
Pairava por ali.
Não lhe apetecia voltar.
Aquele corpo não lhe dizia nada e nada a prendia a ele. Nada, mesmo nada.
Não lhe dera nada.
Pertencia ao passado.
Ela estava livre.
O milagre acabara por se dar.

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