Faz hoje três dias que te levaram. Ontem, num impulso, procurei o número, peguei no telefone e liguei. Do outro lado, uma voz indiferente atendeu. Perguntei por ti. Disseram-me que inexplicavelmente estavas bem. E agradeceram-me a preocupação.
Como se pode agradecer a preocupação ... - foi algo que me ocorreu. Já a finalizar o telefonema acrescentaram ainda que " eles precisavam que alguém se lembrasse deles", outra expressão que só serviu para aumentar aquela sensação de enjoo que se tinha instalado em mim.
Há três dias, o teu pai deixou-te na escola. Provavelmente já estava à espera de alguma coisa. Foste para a fila, subiste as escadas no meio da algazarra da primeira hora da manhã, tiraste os cadernos da mochila e estavas já a passar o sumário, quando eu apareci. Com voz firme e segura, chamei o teu nome. Quase desabei quando te levantaste, arrumaste tudo, livros, caneta, borracha, os cacos do meu coração e saíste comigo.
- É inadmissível- disseram. Não podias continuar assim. Não daquela forma. Não assim.
No bar da escola dei-te o pequeno-almoço e perguntei-me como seria possível…
- É possível- disseram-me lá do fundo de ti os teus olhos, sempre secos e tristes.
- É possível … e só desejava continuar aqui….
As assistentes nem as ouvi… sei que balbuciaram qualquer coisa sem a menor importância para o caso, de circunstância. Pensei que mais valia não dizerem nada.
E agradeceram…
Inadmissível.
Só possível aqui.
Desejável… nunca ter acontecido.
Faz hoje três dias que te levaram...
E eu continuo aqui, a pensar em ti.
Para o André