sábado, 2 de outubro de 2010

O inadmissível, o possível e o desejável....

Faz hoje três dias que te levaram.
Ontem, num impulso, procurei o número, peguei no telefone e liguei. Do outro lado, uma voz indiferente atendeu. Perguntei por ti. Disseram-me que inexplicavelmente estavas bem. E agradeceram-me a preocupação.
Como se pode agradecer a preocupação ... -  foi algo que me ocorreu. Já a finalizar o telefonema acrescentaram ainda que " eles precisavam que alguém se lembrasse deles", outra expressão que só serviu para aumentar aquela sensação de enjoo que se tinha instalado em mim.
Há três dias, o teu pai deixou-te na escola. Provavelmente já estava à espera de alguma coisa. Foste para a fila, subiste as escadas no meio da algazarra da primeira hora da manhã, tiraste os cadernos da mochila e estavas já a passar o sumário, quando eu apareci. Com voz firme e segura, chamei o teu nome. Quase desabei quando te levantaste, arrumaste tudo,  livros, caneta, borracha, os cacos do meu coração e saíste comigo.
- É inadmissível- disseram. Não podias continuar assim. Não daquela forma. Não assim.
No bar da escola dei-te o pequeno-almoço e perguntei-me como seria possível…
- É possível- disseram-me lá do fundo de ti os teus olhos, sempre secos e tristes.
- É possível … e só desejava continuar aqui….
As assistentes nem as ouvi… sei que balbuciaram qualquer coisa sem a menor importância para o caso, de circunstância. Pensei que mais valia não dizerem nada.
E agradeceram…
Inadmissível.
Só possível aqui. 
Desejável… nunca ter acontecido.
Faz hoje três dias que te levaram...
E eu continuo  aqui, a pensar em ti.

Para o André

2 comentários:

  1. Não consegui deixar de ficar triste com este post... De facto é inadmissível mas acontece... Há crianças que nunca chegarão a conhecer as palavras segurança, conforto, amor, entre tantas outras que nos possibilitam viver com alegria... E para elas vai o meu triste lamento...

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  2. É verdade, SMC, e a forma como toda a situação é conduzida pelas instituições também não será a mais adequada: falta o bom senso no tratamento de uma situação já de si delicada e sensível. Como me disseram, eles precisam de facto que se lembrem deles... sempre,mas em todo o processo.

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