quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Da janela do meu quarto


    Ontem passaste devagar à minha porta. Vi-te por entre as cortinas da janela do quarto. Nem levantaste os olhos do chão. Caminhavas devagar, passada ritmada, como de costume. Passas sempre à mesma hora: 14.35.
De onde vens, não faço ideia. E sinceramente nem quero saber. Apenas gosto de te ver, cá do alto do meu quarto, a passar.
   Invento histórias para ti… umas vezes és um médico, exausto, acabado de sair de uma operação complicada, que vem do hospital ( o hospital fica lá para os lados de onde tu vens), outras um advogado que acabou de salvar um inocente da forca, (eu sei que não se mata ninguém,muito menos na forca, mas que vem isso ao caso?), outras um espião que vai salvar a nação.  Às vezes, imagino que és apenas um homem. Só. Que procura encontrar numa das janelas desta rua, a janela verde, de cortinas às bolinhas brancas, onde eu estarei. Um dia ao passares, olharás com mais atenção, para a ponta da cortina que se levanta e …
 Hoje, enchi-me de coragem e saí antes da tua hora, só para me cruzar contigo, para ver o que fazias, se levantavas os olhos e me olhavas, ou se continuavas, perdido para mim.
Olhavas para as montras, sem as ver. Passei por ti, tornei-me ousada, e o meu ombro roçou o teu braço, a minha mão a tua mão, como quem nada quer. Senti-me a estremecer, até corei e sem aguentar mais, apressei o passo, alcancei a escada do prédio, subi as escadas três a três, corri para a janela, ainda a tempo de te ver chegar ao pé da Magnólia branca e desaparecer.
Deixei-me escorregar e fiquei sentada no chão do quarto, encostada à janela, onde ainda pairavam pedaços teus. 
    Amanhã passarás outra vez, devagar à minha porta, mas eu...eu que antes te imaginava e inventava enredos, já não o posso fazer. Perdi-me nos teus olhos e fiquei aí, no meio de ti.

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