quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A cadeira



- A felicidade é efémera. Não poderia deixar de o ser.
De outra forma não seria felicidade. Como pode alguém reconhecer alguma coisa, se não for confrontada com a sua perda? E será feliz, alguém que sempre o é? Linearmente?
Mas não sei… de facto não sei, se alguma vez fui feliz… É natural que o tenha sido, ao longo da minha existência. Todos o fomos, não é? Nem que seja por um breve instante… mas isto sou eu a pensar! Ao certo, ao certo… Não sei… Aliás, não faço ideia de nada!
Sabe… No fundo é como se tivesse nascido de novo… entrado para este corpo, que já lhe disse também não conheço… ou como se tivesse saído dele, andado por aí e ficado… se calhar fora de prazo... Será que é isso? Que as pessoas têm prazo e o meu já… Já passou? Já venceu. Vencer é um termo que me parece desajustado… Ninguém vence aqui…
Alice tinha fechado os olhos para melhor se concentrar. Não queria mexer um músculo. A cadeira tinha-se tornado num monstro voraz, à espreita de um movimento. Possante, de cabedal enrijecido pelo tempo, estalava, rangia, saltava, lançando sons lancinantes que ecoavam por toda a sala em silêncio. Era muito constrangedor. Tentou controlar a respiração, o bater do coração…
- Parece-me muito tensa… Tem de se descontrair… Espero que esteja confortável…
-Sim! Muito confortável! -Respondeu, em tom neutro.
- Ainda bem! É sempre complicado, sabe… mas tudo voltará aos seus lugares… Tem de ter calma… Um passo de cada vez… Mas tem de confiar… Confiar é muito importante…
Confiar… Como poderia confiar em alguém como ele…
Estava a falar com ela, tempos infindos… Quanto tempo? - Até isso se tinha ido… a noção do tempo…- sentada numa cadeira viva, e ainda perguntava se estava confortável?! Só poderia fazer parte de um esquema qualquer, algo que a ultrapassava…
- Se lhe pedir para dizer a primeira coisa que lhe vem à cabeça… - incentivou-a com o olhar… O que me diria? O que vê?
- Vejo cabelos, espalhados por todo o lado…
-Cabelos de quem? Serão os seus?
- Não sei…. Mas pela forma como os vejo, sim… devem ser meus...espalhados pela minha cara, em revoadas, vão e vêm… vão e vêm… por cima de mim, batem-me na cara, no pescoço com força... magoam; depois há uma esplanada; oiço o piar de uma gaivota,olho para cima, passa a voar por cima de mim, mesmo rente… quase que a posso sentir e... - o ar começou a faltar. O monstro cadeira estava agora bem desperto e tinha tomado conta dela, apertando-a mais e mais... como um torno; ouvia uma voz ao longe, mas não percebia o que lhe dizia, começou a deixar de ver e mergulhou de novo na escuridão.

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