terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Ping, ping, ping…




Ping, ping, ping…
O som ecoava na sua cabeça. Pausado, compassado. Primeiro uma gota, depois outra e outra.
Alice abriu os olhos e pestanejou. Por cima de si, na clarabóia envidraçada, a chuva abatia-se em grossas bátegas, que ribombavam, enchendo por completo o quarto.
Tentou levantar-se e entrou num carrossel. Tudo girava num caleidoscópio de inúmeras cores. Inclinou-se para fora da cama a custo, nauseada, deixando-se escorregar, devagarinho. Fechou os olhos com força e ficou imóvel, na esperança que tudo parasse.
- Estou fraca, é isso – pensou - Tem de ser devagar. Com calma, muita calma… Agarrou-se à perna da cama, depois à cadeira que ali estava ao lado. Escorregou. A custo tentou equilibrar-se. A cada passo, a viagem tornava-se mais rápida… a cabeça começava a rodar e o vómito voltava. Encostou-se à parede e foi colada a ela que continuou. Levou o que lhe pareceu uma eternidade para chegar à janela. Estava sozinha. Como sempre estivera.
Lembrava-se disso e de uma esplanada, à beira mar, num dia de vento. Tinha perfeita percepção dos cabelos a voar, do cheiro a mar, de cruzar o olhar com o de uma gaivota, que a parecia convidar a segui-la. Tinha sorrido, abrira os braços e…
Depois disso, tudo era confuso. Apenas flashes, nada que fizesse sentido. Um rosto, uma mão … mais nada. Iam e vinham, vezes sem conta, pois na sua memória, Alice não guardava recordações de mais nada. A cada esforço, a cabeça latejava e recomeçava o seu tormento: Vento, cabelos, esplanada, gaivota… rosto, mão…
- Mas… Meu Deus! Acorda e já fora da cama?! Podia ter arranjado uma coisa linda… Oh se podia… Não vê que mal se tem nas pernas senhora? Toca a ir para a cama! Fica quase um mês ali deitada e acha que é assim?
- Um mês? - Perguntou Alice – Porquê um mês?
- Cada coisa a seu tempo. Se não se lembra, não se lembra… Oh, não faça essa cara assustada… É perfeitamente normal… Deixe estar…Entre mas é na cama! Devagar…Vamos…Vou já ligar para o seu marido. Ele vai ficar … A Senhora tem uma sorte! Só deixou de vir porque a irmã também não anda bem.
Vá! O Senhor Doutor vem já aí.
Alice obedeceu sem reclamar. Aquela era uma mulher habituada a mandar e a fazer-se obedecer. O seu tom não admitia um não como resposta e ela de qualquer forma não estava em condições de ripostar, tanto mais que a vertigem e a náusea tinham voltado.
Sentia-se tão cansada… Estivera ali… Tanto tempo, deitada… Seria muito tempo, um mês?! E tinha um marido. Então devia ser ele.
Olhou em volta, à procura de um espelho. Nada. Só paredes brancas, nuas, uma jarra cheia de flores numa mesa e uma cadeira, aquela que lhe servira de apoio. Na sua falta passou os dedos pelo rosto, percorrendo-o como uma cega, tentando adivinhar-se... Esquecera-se de si mesma, assim como de tudo o resto.

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