terça-feira, 7 de julho de 2009

A esplanada IV


Gostava tanto de partir – pensava a mulher, sentada ao pé do marido, que continuava imóvel, rosto fechado, olhos no vazio, - Poderia muito bem ser num destes barcos que passam, não queria nem saber o destino… Qualquer lugar seria bom, desde que fosse. Poderia ser uma oportunidade.
- Gostava tanto de partir! Poderia ser num desses barcos que passam. Até nem me importava muito do destino… desde que fossemos!
O homem voltou a cabeça, e respondeu-lhe em tom sarcástico.
-Quê?! Barcos? Tens cada uma, tu… Sabes perfeitamente que não me interessam barcos, saídas, passeios… devias estar contente com o que tens. Não te chega? Queres mais, é? Não vamos já para a “terra”? Raio de coisa… - Cruzando os braços, voltou a fundir-se com a cadeira e reassumiu a pose anterior. Ela afundou-se ainda mais. – Gostava tanto de me afundar… de entrar no mar e andar, andar sempre sem parar, até não ter pé e me afundar de verdade, tornar-me azul, água, sal. Ficar. Só. Deixar de ser e de sentir. De me sentir assim, apartada, a esvaziar, a sangrar. A sangrar por mim, por ti, por nós. Gostava de deixar de te sentir, a ti que estás aí e que já não me vês. Gostava de te arrancar da minha pele, de mim. E o que eu não dava por um sorriso teu…
Ele fitava o horizonte. E pensava nela a entrar no mar, braços abertos, dedos a tocar a água ao de leve, raspando devagar. Ela era tudo para ele. Não estava ali. Estava com ela. Sempre e só com ela e para ela. Não era o horizonte que via. Via-a a ela, sorrindo. A figura desvaneceu-se subitamente…
- Está a ficar frio, não está? Com o por do Sol é sempre assim… fica mais frio – disse a mulher em tom neutro, só para quebrar o silêncio.
- Está frio está! Até se me gela a alma...

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