terça-feira, 16 de junho de 2009

Morgana


Devagar, bem devagar foi acordando. O dia amanhecera quente. Foi pouco a pouco assimilando os sons que a rodeavam: primeiro os da casa- uns passos descalços no soalho, onde as pessoas se começavam a levantar, o Ping Ping de uma torneira, depois os do jardim- os pássaros a chilrear, um melro pousado no telhado a debicar uma framboesa, dois besouros a lutar, e finalmente aqueles mais distantes, quase indecifráveis, mas sempre tão sedutores. Com gestos calculados, foi esticando cada músculo do corpo, num ritual quase coreografado, onde nada era deixado ao acaso, da ponta da cabeça, à ponta da unha, lânguida, sorvendo as sensações, absorvendo todo o prazer que daí lhe vinha. Só então iniciou o descerrar dos olhos, como se o fizesse pela primeira vez. A luz do Sol inundou-a. Rebolando sobre si mesma, Morgana ficou de pé num pulo e devagar, enroscou-se nas pernas da dona que distraída lhe afagou a cabeça. Devolveu-lhe um ronronar agradecido e avançou, rumo ao jardim. Lá fora os cheiros fortes da manhã inundaram-lhe as narinas. Foi caminhando pela erva molhada, fingindo não ver o pardal que atrevido saltitava pela calçada, ignorando o perigo que o rondava e que já se encontrava emboscado, escondido no meio de um hibisco, mancha preta, tremendo de frenesim e excitação. O salto surgiu do nada. Num restolhar gata e pássaro pareciam ser um só … mas hoje, hoje foi o dia da caça… Morgana lambeu uma das patas, passou-a pela orelha, alinhou os bigodes e partiu, bamboleante, jardim fora.

Sem comentários:

Enviar um comentário