sexta-feira, 26 de junho de 2009

A esplanada


Não sei… - disse ela – não sei se será bem assim. Estava sentada numa esplanada à beira mar, pernas a abanar, pendentes na enorme cadeira onde se sentara, descontraída. Do outro lado do telemóvel, a amiga dava-lhe conta dos desaguisados amorosos em que se tinha colocado.
- Estás feita… No que te foste meter… Mas isso é mesmo assim? Malandro! E pensar que confiaste tanto… Ohhhhh… A sério? Não digas! - Os olhos brilhavam-lhe de gozo e satisfação, visualizando toda a cena, que do outro lado lhe descreviam, enquanto uma das mãos brincava com uma mecha de cabelo, enrolando-a devagar à volta de um dos dedos, para de seguida a soltar, repetindo maquinalmente o gesto, vezes sem conta.
Era um fim de tarde, daqueles em que tudo parece estar nos seus devidos lugares: o Sol a pôr-se, tingindo o céu de tons rosa e lilás, o ar morno temperado por uma fina brisa, um leve som das ondas, quebrado aqui e alem pelo piar das gaivotas. Na esplanada, sobre a praia, tocava uma daquelas músicas de Verão em berra nesse ano. No balcão, o rapaz nervoso tentava servir todos os pedidos - Raça de gente! O velho é que tinha razão! Desgraçado… Estuda! Marra! E ele… - Sai! Faz-te à vida, curte que a vida é isso! Uma curte pegada. Olha… Ya… Tasse… Que fazer?! Não ia chorar, ia? A parte baril era ver as gajas todas penduradas no balcão, dengosas, a fazer-se … Gajas lindas, meu… Mas mesmo lindas, ali a rirem-se todas para ele.
- Realmente… Ah! Ah! Ah! … Claro que me rio…Deveria chorar? Mas tu tens cada uma… Minha amiga… Continuava ela, rindo em gargalhadas estridentes, rebolando os olhos, olhando em volta, em busca de plateia.
- Mas que grande idiota! - Pensava o rapaz que se sentara mesmo ao lado, fingindo ler a revista do jornal de sábado. Era alto e encorpado, perfumado, cabelo molhado de quem tinha acabado de se levantar e saído do banho. A cabeça tinha sido transformada em gongo, tocada por um poderoso homunculo, que se comprazia em transformar todos os sons do quotidiano em peças dissonantes, desarticuladas, que ecoavam fundo, até à Alma. Era visível o esforço que fazia para se conter. Um sorriso brincava nos seus lábios, imaginando-se a saltar para o pescoço dela e a fechar-lhe de vez a boca. Ia a abanar a cabeça, como que a sacudir aquelas ideias, mas conteve-se a tempo. Não se podia dar a esses luxos. Era incrível como tudo se parecia ter congeminado para se pôr contra ele. Desde a luz que lhe feria os olhos, até ao piar das cabras das gaivotas, e - …ainda aparecia aquela a rir que nem uma hiena, armada em estrela VIP. A vida tinha destas coisas. Num dia vivia intensamente, como se fosse o ultimo dia, no outro em slow motion, o mais slow que lhe era dado conseguir. Podia ter sido ontem. … Mas não. Foi como das outras vezes. Conhecia-as, tentava tocar-lhes com a sua mente. Expectante aguardava. Construía redes complicadas de sondas, prontas a esquadrinhar tudo, cada sentimento, gosto ou emoção, dissecando, criteriosamente, à medida que surgiam, analisando. Num exercício muito seu, recolhia-se para um canto da mente e observava, monitorizando todo o processo; assim, nada era deixado ao acaso e era com grande empenho e dedicação que cumpria o plano “ em busca da paixão”. Sempre uma desilusão. Pensava sempre – É hoje! Engano seu. Começava a achar-se incapaz de sentir. Talvez fosse coisa de outras idades, outras gentes. Dead line. O que não entendia, ocupado como estava, é que era ele próprio o causador do seu infortúnio. A paixão é selvagem e não reconhece donos ou grilhões. É livre, aparece quando quer, sem se fazer anunciar. Voluntariosa, mas também tímida, vai avançando, insinuando-se. Um passo em falso é suficiente para a fazer recuar e definhar.

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