sábado, 13 de junho de 2009


A porta abriu-se. Estava escuro. Com dificuldade semicerrou os olhos, numa tentativa de melhor se habituar à escuridão e ao mesmo tempo ver para lá daquela parede escura. Nada. Sem querer, recuou. Fisicamente os seus pés recuaram um passo, mas foi todo o seu ser que se encolheu para dentro de si, numa vã tentativa de se esconder, de se refugiar de algo que já não tinha escapatória. “ Na nossa vida fazemos escolhas, que têm consequências e com as quais temos de viver…” as escolhas há muito estavam feitas e não havia forma de voltar atrás; por muito que se escondesse, que adiasse o momento final, indubitavelmente, mais dia, menos dia ia esbarrar com ele, numa esquina qualquer… numa topada duma pedra, num qualquer acaso, que precipitaria tudo, numa escalada crescente, arrastando consigo um turbilhão de emoções controladas, cautelosamente encenadas e dimensionadas para cada momento. Era assim há anos… já nem se lembrava… de quando não era assim. Recordava os momentos, mas pouco a pouco tudo se tinha começado a agigantar ao seu redor, cristalizando e aumentando, aumentando e crescendo e avolumando e solidificando, tolhendo cada vez mais as suas acções, os movimentos, a razão, a vontade. Pouco a pouco foi mergulhando numa sensação de embriagues, num entorpecimento; pouco a pouco foi deixando de guerrear, ripostar, pontapear, gritar, de se agitar, de se mover, de pensar.
Ficou.
Ali.
Só.
Foi ficando, permanecendo, aquiescendo, vestindo-se de festa, quando havia festa, de preocupação, de ralação, de consternação, de dedicação, efabulação, de felicidade, romance, paixão… O certo é que tudo corria, mole mente…até que um dia…. Escolheu respirar.
Num movimento tímido, pôs a cabeça para cima e inspirou: primeiro devagar, depois sofregamente, à medida que o ar fresco ia inundando os seus pulmões, devolvendo-lhe a vida, o vigor, a vontade, a coragem e ao mesmo tempo a dor, Nada voltou a ser como antes. Não podia. Uma vez que o cordão dourado se tinha cortado, tudo era vão. Nada mais poderia segurar aquela força que ali tinha ficado, espezinhada e acorrentada e agora se recusava a voltar … por isso abriu a porta. Estava escuro. Sem querer recuou. Fisicamente os seus pés recuaram um passo, mas foi todo o seu ser que avançou, rumo à escuridão, numa tentativa de finalmente se revelar, a si, a todos. Parou. Inspirou profundamente, abriu bem os olhos, desenrolou as asas e voou.

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